Apoio ao Investimento Africano na Resiliência Climática - Oportunidade e Oportunismo
Novembro 2022
A Comissão Económica das Nações Unidas para África e a presidência egípcia da Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP27) anunciaram a iniciativa "Reduzir o custo dos empréstimos verdes e sustentáveis" nos países vulneráveis às alterações climáticas.
A iniciativa visa abordar as grandes questões de deterioração da saúde fiscal sob ameaça de potenciais perdas de produção ligadas a riscos climáticos e custos de recuperação de desastres, bem como os riscos de transição que podem atingir a economia em geral. (...)
O enfoque será em títulos verdes e sociais sustentáveis para preencher as lacunas financeiras dos ODS. "Há uma necessidade de ação climática para reduzir a pobreza e promover a prosperidade partilhada de uma forma sustentável. Esta iniciativa irá reforçar a capacidade de os estados africanos contraírem empréstimos a uma taxa acessível, mobilizarem mais financiamento verde e atraírem capital privado", acrescentou a presidência egípcia do COP 27 em comunicado. (...)
Recorde-se que, no capítulo do financiamento climático, existem ainda muitas lacunas a serem ultrapassadas, nomeadamente no cumprimento de entrega de 100 mil milhões de dólares anuais que deveria ser feito pelos países desenvolvidos, para apoiar os países em vias de desenvolvimento no combate às alterações climáticas.
Também o Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB) veio recentemente demonstrar o seu apoio ao Empreendedorismo centrado no clima, através do Laboratório de Inovação e Empreendedorismo, uma iniciativa do AfDB criada em 2019, com foco em 5 países piloto (Costa do Marfim, Egito, Gana, Quénia, Nigéria e África do Sul).
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os "empregos verdes" são criados pela transformação das economias, empresas, locais de trabalho e mercados de trabalho numa economia sustentável, de baixo carbono, que proporcione trabalho decente. A OIT estima que uma economia de baixo carbono irá criar 24 milhões de empregos a nível mundial nos próximos 20 anos.
(Empregos verdes - definição da OIT: São empregos dignos em todos os sectores económicos (agricultura, indústria, serviços, administração...) que contribuem para a preservação, restauração e melhoria da qualidade do ambiente. Os empregos verdes reduzem o impacto das empresas e sectores económicos no ambiente, promovendo a utilização eficiente da energia, matérias-primas e água, descarbonizando a economia, limitando as emissões de gases com efeito de estufa, minimizando ou evitando todas as formas de desperdício e poluição, protegendo ou restaurando os ecossistemas e a diversidade biológica, e permitindo a adaptação aos efeitos das alterações climáticas.)
Uma vez que África enfrenta impactos e desafios climáticos significativos, muitos desses empregos serão criados se os países do Magrebe e da África Subsaariana adoptarem infraestruturas de energias renováveis. As oportunidades para as empresas em fase de arranque e PME enfrentarem estes desafios irão crescer e necessitarão de apoio contínuo de organizações de apoio às empresas e investidores.
De acordo com a Associação Africana de Capital Privado e de Risco (AVCA), "a consciência climática penetrou no panorama do investimento privado em África". Em 2022 até à data, foram registados 79 negócios relacionados com o clima no valor de 1,3 mil milhões de dólares, com um valor médio de negócios de 22,7 milhões de dólares. O capital de risco compreendeu 73% destes investimentos. 85% dos investimentos relacionados com o clima foram em empresas relacionadas com o clima que operavam nas áreas tecnológicas de ‘cleantech’ e clima. A maioria dos investimentos apoiava os produtores de eletricidade renovável no sector dos serviços públicos, com ênfase na energia solar.
Vale a pena recordar aqui, um dado importante (e constrangedor), abordado no COP 27:
Pequenos agricultores de países em desenvolvimento produzem um terço dos alimentos do mundo, mas recebem apenas 1,7% do financiamento climático, mesmo tendo de lidar com secas, inundações, ciclones e outros desastres.
As populações rurais são quem enfrenta na prática as consequências das alterações climáticas e quem trabalha duro para cultivar alimentos em condições difíceis, lembrou Sabrina Dhowre Elba, Embaixadora da Boa Vontade do Fundo Internacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA) durante uma entrevista colectiva.
Os fundos devem chegar a quem realmente precisa e sabemos que na prática, há ainda muito oportunismo, falta de rigor na avaliação de impacto e corrupção em toda a cadeia de financiamento.
O fracasso em ajudar as populações rurais a se adaptarem, pode ter consequências perigosas, levando a mais pobreza, migrações e conflitos. (...) e os rendimentos das colheitas podem reduzir em até 50% até ao final do século, alertou Dina Saleh, Directora regional do FIDA, apelando à credibilidade e justiça para os "invisíveis e silenciosos".
Para abordar essas questões, a presidência egípcia da COP27 lançou a iniciativa “Alimento e Agricultura para Transformação Sustentável” para melhorar a quantidade e a qualidade das contribuições de financiamento climático para transformar a agricultura e os sistemas alimentares até 2030, tendo em conta que é sabido que a agricultura, deve ser parte integrante da mitigação da crise climática.
Ao mesmo tempo, embora o sector agrícola e alimentar seja profundamente impactado pelas mudanças climáticas, ele também contribui com cerca de um terço das emissões globais de efeito estufa, da produção ao consumo, explica Zitouni Ould-Dada, Vice-Director da Divisão de Clima e Meio Ambiente da ONU para a Alimentação e Agricultura. Por isso, para ele, os sistemas agroalimentares devem passar por uma transformação.
“Não podemos continuar com o modelo actual de produzir alimentos e depois degradar o solo, diminuir a biodiversidade, afectar o meio ambiente. Deve haver uma forma sustentável”, observa.
O especialista destaca que, se as escolhas certas forem feitas, a agricultura pode ser uma parte importante da solução para combater a crise climática, sequestrando carbono no solo e nas plantas e promovendo adaptação e resiliência.
“Não podemos produzir o alimento para alimentar e nutrir uma população crescente com o modelo actual, com a ameaça das mudanças climáticas.”, reforçou.
Segundo ele, a primeira coisa que o mundo deveria enfrentar é como lidar com o desperdício de alimentos, responsável por 8% das emissões globais de gases.
“Temos cerca de 828 milhões de pessoas que passam fome todos os dias. No entanto, jogamos fora um terço dos alimentos que produzimos para consumo humano. Precisamos mudar nossa mentalidade, nosso modelo de produção, para não perder e desperdiçar alimentos”, ressalta.
Ele acrescenta que em termos de soluções, aproveitar o poder da inovação é crucial para reduzir as emissões, ajudar a adaptar a agricultura a um clima em mudança e torná-la mais resistente às adversidades, não apenas causadas pelas mudanças climáticas, mas também por pandemias ou guerras (...).
“Inovação no sentido mais amplo, como agricultura de precisão, com a irrigação por gotejamento combinada com energia renovável para eficiência. A inovação que aproveite o conhecimento tradicional dos pequenos agricultores também é importante" enfatizou Ould-Dada.
(Adaptado de Jornal de Negócios, Afdb.org e news.un.org Novembro 2022)