Pedagogia da Cooperação e Cultura Regenerativa; Caduceu do Século XX!?

Março 2022
 

May East
Educadora e Designer em sustentabilidade
Fundadora do Programa Gaia Education, disseminado em 55 Países
Especialista na co-criação de projectos junto de comunidades tradicionais para o fortalecimento da sua resiliência climática, trabalha internacionalmente com agências intergovernamentais, no sector privado e governos locais na criação de políticas para a implementação dos ODS (Objectivos de Desenvolvimento Sustentável). 
Eleita Mulher da Década em Sustentabilidade em 2019


Prefácio à edição brasileira do Livro Pedagogia da Cooperação – Por um mundo onde todas as pessoas possam VenSer de Fábio Otuzi Brotto e Co-Autores

“Se os gregos tinham seis formas de amar – eros, philia, ludus, agape, pragma e philautia; os budistas têm os quatro estados sublimes da mente – metta, karuna, mudita e upekkha, de quantas formas de cooperação o mundo actual necessita? E como cultivá-las?

Vamos imaginar um mundo vivo e interdependente onde os sistemas humanos e biológicos estão em constante diálogo. No paradigma antropocêntrico, este diálogo é conduzido por humanos – mesmo que cooperativos entre si, mas dissociativos da rede da vida. O antropocentrismo pode ser definido como uma disciplina filosófica dentro da ética ambiental que adota um sistema de crenças, centrado no ser humano, que vê a natureza como um meio para sustentar o seu bem-estar. Esta visão é desafiada por intrepretações biocentristas que enfatizam o valor intrínseco de todos os seres vivos e argumentam que o desenvolvimento humano carece de significado sem um planeta vivo e saudável. Ao expandir ainda mais este pensamento de contorno gaiano, podemos dizer que ser humano, é estar conectado com tudo o que respira e transpira. A forma como nos conectamos é o território da cooperação.

Rumi dizia que existem 1001 formas de se ajoelhar e de beijar a terra. Existe uma forma de se ajoelhar que defende a perspectiva clássica darwinista sobre o mecanismo da evolução, onde a competição entre os seres vivos é um elemnto inerente à “luta pela existência” e, portanto, na base da selecção natural. Outra forma de se ajoelhar considera a cooperação, o igualitarismo, o altruísmo como naturais aos seres humanos. Recentemente, biólogos evolucionistas, primatologistas, antropólogos e outros cientistas sociais encontraram dados sobre o comportamento aparentemente altruísta em muitas espécies animais, bem como nas sociedades humanas, que não estão de acordo com os modelos evolutivos baseados na competição e no impulso da transmissão de genes egoístas. Estas foram as características que prevaleceram na vida humana por dezenas de milhares de anos. Como observou o antropólogo Bruce Knauft, os nossos ancestrais caçadores-colectores podem ser caracterizados por um igualitarismo político e sexual extremo.

Um exemplo é o dos Kung da África-Austral, que trocam flechas antes de ir caçar e, quando um animal é morto, o crédito não é de quem disparou a flecha, mas da pessoa a quem a flecha pertence – homem ou mulher, que então assume a tarefa de distribuir a caça para todos do grupo. Para eles quando uma pessoa se torna muito dominadora ou arrogante, deve ser temporariamente excluída pelos membros da comunidade. Nessa perspectiva, os indivíduos que se comportem de maneira egoista têm menos probabilidade de sobreviver, uma vez que são exilados dos seus grupos.
Na emergência dos “colectivos” humanos contemporâneos, a cooperação enquanto elemento alquímico atemporal ajuda na fermentação de experimentações de organizações-de-centro-vazio, plataformas sociocráticas, ecovilas e ecobairros, redes de transição e metarredes. No entanto, a coopração sozinha talvez nao consiga criar a transformação necessária para o reposicionamento de presença humana no planeta vivo.

Vamos então imaginar um caduceu alado mercuriano a guiar as experiências de comunidades de aprendizagem do século XXI, onde uma serpente é a cooperação e, a segunda, a regeneração. A interacção das duas serpentes no nosso mundo volátil, imprevisível, complexo e ambíguo alimenta a memória da criação do mundo e mantém aquilo que Liebniz chamou de vis viva – o potencial vivo – que anima a força da criação autorregenerando-se.

Assim, além dos sistemas fechados, ou mesmo abertos, a pedagogia da cooperação do mundo de hoje abraça a perspectiva dos sistemas vivos, onde cada interacção entre os componentes do sistema contribui para a saúde do todo. Dessa forma, os elementos são definidos pelos seus intercâmbios e não tanto pelas suas fronteiras. E as capacidades de cooperação são despertadas pla experiência de colectivos complexos e não por meio de informação ou instrução pedagógica, controladas pelo “Professor”. Em síntese, a externalização da cooperação acontece através de uma pedagogia dialógica entre e dentre os elementos de sistemas aninhados onde maximizamos a vida e minimizamos a degeneração.

Esta publicação demonstra tal hipótese ao averiguar como individuos, instituições e comunidades vivas funcionam – pelos quais os relacionamentos e as interdependências se sustentam, (se) transformam e prosperam. Esta pedagogia ativista não compromete a prática cognitiva enriquecedora de quando aprendemos através da reflexão, cogitação e pensamento. O equilíbrio fino entre a motivação, o envolvimento social e a construção de cohecimento. Guia a nossa aventura da pedagogia transformativa que promove cooperação na regeneração. O seu processo de aprendizagem propõe o relacionamento cooperativo como componente essencial de qualquer sistema que se regenera e, ao se regenerar, prospera em vitalidade e viabilidade.

Este é um livro importante que merece ser lido e debatido amplamente – em última análise, os seus co-autores trazem uma mensagem de esperança e de potencial. Desafia-nos a pensar o sistema e não “pensamentar” o linear, a transcender o egocentrismo, a abraçar a intensa conexão e a vivacidade que as práticas cooperativas e a busca da regeneração nos podem trazer. Apresenta uma visão de futuro possível em que não haja supremacias, predomínio masculino e desigualdade social, e sem dominação de outras espécies e do mundo natural.(...)”

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