Culturas Regenerativas – O Foco é no Potencial e não no Problema

Janeiro
 

A primeira coisa a regenerar é o pensamento. A forma como percebemos o mundo e a vida e nos relacionamos com ela.

A predominante percepção de separação - Humanidade/Natureza, Interno/Externo e até mesmo as inúmeras fragmentações manifestas entre Seres Humanos – é o primeiro aspecto a ser reavaliado, pois é a partir desta perspectiva que emergem todas as nossas interacções.

Esta percepção de separação, não afecta apenas as questões mais primordiais e básicas, como compreender que nós somos a Terra e cuidar da Terra é cuidar de nós. Ela estende-se a questões complexas e triviais do quotidiano, que nos fazem perceber o mundo como “Nós e os Outros”; “Aqui e Lá”; “Certo e Errado”; “Bom e Mau”. Deixando-nos frequentemente na “Equipa dos Bons”, e os “Outros” - Povos, Governos, Líderes – na Equipa dos Maus.

Gerando uma incapacidade em distinguir, por um lado as várias tonalidades entre as polaridades e por outro, a manifestação de todas elas em todos os sistemas vivos, que são dinâmicos, porosos e relacionais.
 

Outro importante convite que a regeneração nos faz, é olhar para a vida, para os sistemas e para os Lugares, colocando o foco no potencial. Até aqui temos vindo a observar, pensar e agir a partir do problem-solving. É isto que andamos sempre a fazer, quer ao nível das Instituições e estratégias - incluem-se aqui os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), quer ao nível dos nossos sistemas e organizações.

Não estamos contra os problemas, eles existem. Mas o que acontece quando partimos do foco no problema? Essencialmente perdemos a visão do todo/do sistema maior, do lugar, das relações de interdependência e respectivas consequências, que uma acção dirigida, ainda que bem intencionada, pode acabar por gerar.
 

Os exemplos são vários, mas vamos usar um que nos toca (ou tocará) a todo(a)s:

Crises alimentares, provocadas por guerras, conflitos ou catástrofes, tendem a induzir-nos a acelerar os ciclos de produção agrícola, naturalmente recorrendo a meios artificiais.

Para quem lida de perto com a fome, a crítica impulsiva e simplista desta atitude, é delicada. Mas a verdade é que, a tentativa de resolver o problema da crise alimentar, e a destruição massiva dos solos, ao longo das últimas décadas, gerou outros problemas, que muitos de nós já bem conhecemos.

Na recente COP27, Zitouni Ould-Dada, Vice-Director da Divisão de Clima e Meio Ambiente da ONU para a alimentação e agricultura, alertou para esta questão, lembrando que “temos 828 milhões de pessoas que passam fome todos os dias (…) no entanto jogamos fora um terço dos alimentos que produzimos (…) além disso, não podemos continuar com o modelo actual de produzir alimentos e depois degradar o solo, diminuir a biodiversidade, afectar o meio ambiente.”
 

Se sabemos que a agricultura tem um papel importante na mitigação da crise climática, temos de pensar em formas mais sustentáveis, inclusivas e justas.

É que, embora os pequenos agricultores de Países em desenvolvimento, produzam um terço dos alimentos do mundo e sejam ele(a)s que na prática lidam com secas, inundações, ciclones e outros desastres, a estes chega apenas 1,7% do financiamento climático, um dado constrangedor lembrado por Sabrina Elba do Fundo Internacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA) recentemente na COP27.

E assim se anunciaram mais programas e milhões para resolver mais problemas, pois de Heróis Salvadores e Resolvedores está o mundo cada vez mais cheio.
 

Relembrando uma ideia-chave de Daniel Wahl: A vida é uma força sintrópica. Não é para ser resolvida.

A nossa intenção origjnal de dividir e arrumar os assuntos para melhor compreender, gerir, controlar, sistematizar, faz-nos perder e repetir os mesmos padrões. Como já dizia Einstein “Não podemos resolver os nossos problemas com o mesmo pensamento que utilizamos quando os criamos.”. Ou como nos provoca o Nigeriano Bayo Akomolafe "E se a forma como respondemos à crise for parte da crise?".
 

Vanessa Andreotti, Professora e Investigadora que integra o colectivo transnacional e interdisciplinar GTDF, reforça esta ideia, lembrando que, quando olhamos para os problemas de forma isolada, vamos acabar por usar abordagens que reproduzem 3 coisas:

(Gesturing Towards Decolonial Futures – Global Citizenship Education Otherwise Study Program)
 

- Soluções simplistas;

- Formas de envolvimento paternalistas;

- Ideais etnocêntricos de sustentabilidade, justiça e mudança.

E tudo isto se afasta da dinâmica dos sistemas vivos e dos princípios da regeneração.
 

Pelo contrário, o paradigma do Problem-Solving, está muito ligado às fontes de processos degenerativos:

(adaptado de Lúcida e Carol Sanford Institute)
 

1. Fragmentar: Focar em temas e problemas (pobreza, clima, alimentação, desigualdade de género);

2. Categorizar: Para conseguir gerir tanta informação;

3. Generalizar: Fazer com que todos encaixem nos conceitos idealizados;

4. Determinar: Em categorias definindo intervalos de normalidade. Sistematizando processos rígidos onde todo(a)s têm de se encaixar, esquecendo o potencial dos lugares/sistemas, anulando a sua essência, bio-inteligência e capacidade de auto-determinação;

5. Agregar/linearizar: Reforçar uma visão de mundo como melhor que outra, como a “certa”;

6. Escalar: Levar os outros a aceitar essa visão de mundo, esses programas e medidas e claro as “comprovadas” best pratices;

7. Esquecer: Entrar em modo automático, reproduzindo os padrões definidos (e literalmente saturando os mercados com “soluções” que podem já não ter adequabilidade - ou o público adequado), sem reavaliar resultados.
 

Todos nós que já criamos, implementamos, ou participamos em Projectos e Programas altamente patenteados, sabemos que na prática,acabará frequentemente por existir um desencontro entre a necessidade e a realidade, entre a oferta e a procura e acima de tudo, entre a solução e impacto que era suposto gerar e o que concretamente acabou por se manifestar. Ainda assim, é sobretudo para resolver problemas que nós consultores somos frequentemente chamados. E o jogo de cintura para no meio de diferentes interesses e forças, honrar e activar a inteligência colectiva do sistema, a caminho do seu melhor potencial, é um exercício delicado, que exige maturidade, profunda honestidade e ética e abertura para pedir e receber mentoria e suporte. Porque é também em rede e na qualidade de aprendiz/praticante, que melhor se faz o caminho da regeneração.
 

É importante ainda acrescentar que, andar constantemente a combater problemas, limita-nos, acaba por nos desgastar, imobiliza-nos, desmotiva-nos. É uma abordagem alopática.

Partir do potencial abre possibilidades, caminhos, reforça o entusiasmo, motiva e mobiliza. É uma abordagem sistémica.

Todos os Lugares/Sistemas têm um potencial único e estão em constantes ciclos evolutivos e quem melhor conhece os Lugares, são as suas Pessoas, que são na verdade, a expressão desses territórios (ou organizações).

Por isso, mudar o paradigma do foco – do problem-solving para o potencial - só funciona nos (e com os) Lugares.

Não são democráticos – nem inteligentes, nem regenerativos - os modelos, agendas e programas em que os decisores, são os “donos da visão de mundo melhor/certa” e em que os verdadeiros especialistas dos Lugares não são chamados, ou devidamente escutados e valorizados.
 

Partir do potencial orienta a nossa perspectiva para o futuro e para as possibilidades de vida e harmonia para todo o sistema, e não apenas para parte(s) dele e/ou para visões demasiado curtas de futuro.

Actualmente seria impensável (à partida), produzir desenfreadamente plástico, pois aquilo que na altura resolveu e melhorou problemas de armazenamento, mobilidade e transporte, gerou questões sérias, porque no momento da sua criação, não foram feitas as perguntas certas, nem olhados quer a interdependência e consequências, quer o horizonte alargado de futuro.
 

Quando partimos do potencial, as perguntas-guia que fazemos mudam.

Jenny Andersson, consultora organizacional, dá-nos um exemplo prático:

“Uma abordagem problem-solving faz a seguinte pergunta: Como reduzimos a poluição atmosférica nesta cidade? (…) Banimos os veículos com elevadas emissões dos centros das cidades. Criamos zonas pedonais. Cobramos custos adicionais pelo acesso de veículos privados que reinvestimos em medidas de qualidade do ar.

Uma abordagem de potencial regenerativo perguntaria: Qual é o potencial desta cidade para se tornar um ambiente saudável para toda a vida viver?”
 

Outras perguntas que podemos fazer:

Qual é a essência deste Lugar/Sistema?

O que queremos trazer/fazer gera vida? Para todo(a)s? Mantém a identidade (ou descaracteriza)?

O que está a limitar a manifestação do potencial deste Lugar/Sistema?

Quais são as forças de activação e resistência presentes? Que forças de reconciliação podem harmonizar e trazer mais vitalidade a este Lugar/Sistema?
 

Não é que as perguntas sejam mágicas, ou nos tragam respostas definitivas. Mas elas abrem um campo novo, de possibilidades, de vitalidade, de vida.

Ainda assim, a frase que melhor me parece fechar esta reflexão, é a que dá início ao Livro “Design de Culturas Regenerativas” de Daniel Wahl, e que não temos a certeza, mas que é atribuída a Albert Einstein:

“Se eu tivesse uma hora para resolver um problema da qual a minha vida dependesse da solução, eu passaria os primeiros 55 minutos a determinar a pergunta certa a ser feita, e, uma vez sabendo a pergunta, resolveria o problema em menos de cinco minutos.

Fonte: Revista Economia & Mercado Moçambique, Edição de Dezembro

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