Maio I As Três Senhoras

As Três Senhoras

Sofia Batalha
 

Ali no topo do monte, no meio das pedras, mesmo à beira da nascente, viviam três Senhoras. Dançavam sob a lua e as estrelas, ondulavam nas melodias do vento. Tinham crescido ali, as três irmãs, entrelaçadas. Conversavam com a água fresca que brotava do ventre da terra, escutavam os pássaros e os animais que nelas habitavam. Cortejavam os fungos que do seu corpo despontavam. Abraçavam-se debaixo do chão durante as tempestades de primavera. Amparavam-se no frio do inverno e a água da nascente embebia as suas raízes na canícula dos dias quentes.

Mãos velhas, agora feitas húmus, há muito que as tinham semeado e delas cuidaram. Juntas cresceram, abraçadas pelas raízes e entrelaçadas pelas copas, ali à beira da nascente. Muitas estações passaram e os seus troncos espessam, com sulcos fundos de histórias para contar.
 

Os três filhos do homem que as semeou herdaram as Faias Dançantes. Da névoa e cobiça, pois nunca as tinha visto dançar, o filho mais velho logo cortou uma das Senhoras, para usar a sua madeira. Os gritos surdos das suas irmãs tentaram evitar o pior, acertando-lhe com galhos e ramos. Mas o homem insistiu e o corpo da irmã tombou, ainda vivo, no chão de pedras. Com ajuda dos homens da aldeia, cortaram o seu torso e arrastaram os pedaços, perante a presença aflita das suas irmãs desgostosas. Juntas na sua dor, chamaram o vento que levantou uma tempestade. Os homens fugiram dizendo que aquele sítio estava amaldiçoado.
 

As pessoas deixaram de aparecer por ali. Alguns anos passaram e as duas Senhoras, apesar da dor e do luto pela perda da irmã, voltaram a dançar. Todo o seu corpo lenhoso e arbóreo vibrava e ressoava com os elementos, e elas bailavam ao ritmo da vida à sua volta. Mas os verões começaram a aquecer e numa dessas estações quentes e secas a nascente esgotou. A água evaporou e dos sussurros da água só ficou a memória. O fogo, voraz e abrasador, aproveitou a oportunidade e varreu a área. Surpreendentemente, dois dos irmãos apareceram e cuidaram de apagar as labaredas, e as duas Faias Dançantes, assustadas e cobertas de cinza, subsistiram. Mas, os dias tórridos e secos também. Uma das duas irmãs começou a secar, as suas folhas a amarelar e cair. Ficou rígida e já não conseguia dançar. Mirrou, murchou. Secou. De pé, mas sem vida. Eventualmente tombou e a última Senhora escutou o seu cair, cheira de tristeza e saudade no seu coração lenhoso.
 

Muitas estações passaram, diversas tempestades uivaram e a Senhora já não tinha a quem abraçar as raízes. Mas o seu tronco tinha crescido, enquanto a copa chegava mais alto e as raízes iam mais fundo. A sua sombra abrigava muitas tocas, nichos e ninhos. O seu corpo albergava e alimentava a vida. E ela voltou a dançar. Nas noites de lua cheia as crianças da aldeia viam-na, lá no topo do monte, a mover-se pelos sopros do vento. A dançar sob a lua e as estrelas.
 

Após alguns invernos frios e chuvosos, a água fresca voltou a derramar-se da nascente e pequenos brotos emergiram do chão pedregoso. Novas mãos deles cuidaram, e assim cresceram. Jovens Faias acompanhadas pela última Senhora que continuou a dançar, que ensinou aos pequenos brotos os ritmos e as histórias antigas deste lugar. Contou-lhe as histórias das suas irmãs, de como bailavam juntas, e das mãos humanas que tanto cuidam como destroem. No final dos seus dias, o seu corpo ficou chão, à sombra de um bosque de Faias, Castanheiros e Carvalhos, ali mesmo à beira da nascente.


Sofia Batalha é uma Autora e investigadora que fala a partir do pós-activismo mitológico e filosófico, para recriar rituais, histórias e mistério — pois, os três M’s: Mistério, Metáforas e Mitos recordam a nossa sabedoria primordial e complexa do paradoxo.

Esta é uma adaptação do conto irlandês das Três Senhoras Verdes, Re-fabulado e escrito para o 1º Encontro de Eco-Mitologia, organizado pela Autora.

"Remembramos a poli-poética e ecologia de quem somos. Responsavelmente abrimos espaço nas nossas narrativas internas para abraçarmos as histórias e os sonhos do mundo, os antigos e os emergentes. Descentralizamos a nossa presença enquanto humanos e recordamos a escuta, o toque e o corpo.Voltamos aqui e agora, ao tecido dos heróis em comunidade e não de indivíduos isolados. Partilhamos as fertilizações entre mitologia, psicologia e ecologia. (Re)Encontramos quem somos nos limiares."

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