Novembro I Intuição: Ver Holísticamente
"O modo analítico é o modo que caracteriza aquilo a que denominamos ciência clássica ou newtoniana - o que temos chamado aqui de abordagem materialista e reducionista do mundo. O modo holístico de consciência é (...) uma forma mais apropriada para observar a vida, totalidades e processos subjacentes. (...)
A emergência do modo analítico de pensar foi de imensa importância para a evolução da consciência. Ela demarca o processo de despertar de uma unidade inconsciente ou pré-consciente para uma separação e divisão conscientes. Ela literalmente nos colocou "para fora" e, assim, não só propiciou a perícia prática e material, como também nos emancipou de parte da grande hierarquia que acompanhava os dogmas e fundamentalismos da tradição.
Mas esse modo não pode, por si só, ir ao encontro de todas as nossas necessidades porque o mundo com o qual estamos preocupados, ao lidar com organismos vivos em seu processo de desenvolvimento e mudança, não é um mundo de objectos sólidos. Não conseguimos "ver" a vida de um cupinzeiro dessa forma; não conseguimos ver a energia unificada de uma floresta, ou perceber a diferença entre a água que tem vida e a água que está morta.(...)
Não conseguimos ver as conexões, as linhas de força e as relações entre eles. (...)
Podemos ver a coisa mas não o seu significado. Temos de usar a nossa habilidade conceitual, a nossa consciência holística para ver o todo, o significado em si. A música é apenas ruído incoerente se ouvida em fragmentos; a apreensão do todo é que transforma o ruído em música. O mesmo pode ser dito de um poema, de uma piada, de uma pintura, de qualquer interação entre as pessoas.
O significado, a gestalt, o todo, nao é um objecto em separado, como são as partes que o compõem. E tampouco é a soma das partes separadas ou objectos. Não é somando as partes que entendemos o todo; ele é observado directamente, em seu próprio meio. Ele é intangível, de uma ordem diferente, e pede uma abordagem diferente.
O mundo com o qual estamos lidando, ao trabalhar com o desenvolvimento e com o social, é um mundo de intangíveis. É um mundo de sistemas, de relações, de conexões; ambíguo, em mudança, em alteração, em desenvolvimento, entrelaçado, continuamente se formando e continuamente morrendo e se transformando em outra coisa. Em outras palavras, é dinâmico. Não é um mundo de objectos, mas um mundo de relações entre objectos, um mundo de carácter e significado.
O modo de consciência holístico é complementar ao analítico. É o pensamento sistémico.(...)
Esse modo de ver não é tão complexo quanto parece e, na verdade, nós o usamos o tempo todo (...) mas não lhe damos valor, ou não o usamos de maneira consciente. Por não Ihe dar valor, não o cultivamos e, assim, ele se atrofia, paralisa-se, e ficamos seriamente incapacitados e inabilitados. Ele é ridicularizado por não ser científico, profissional ou computável; chegamos a crer que tal modo de enxergar não pode ser replicado (que não é nada além de opinião subjectiva) ou ensinado; que é uma excentricidade, ou uma pretensão artística; que pertence ao âmbito da religião (onde Kant o confinava) ou da espiritualidade (num sentido pejorativo).
Não, o modo holístico não é nada disso, mas uma forma disciplinada e cultivada daquilo que - para dizer a verdade - fazemos o tempo todo. E, ao aprendermos a ver dessa maneira, não mudamos nada do que é visto, mas tudo muda porque vemos o que antes estava invisível para nós. A intuição não é intangível ou misteriosa; é a percepção simultânea do todo. Podemos aprender (ou reaprender) a utilizá-la.(...)
Somos participantes da evolução do mundo, e não apenas espectadores. Somos parte do que observamos e, portanto, afectamos tanto o que é observado como a nós mesmos. Costumamos permitir a emersão daquilo que procuramos e erradicar o que nao procuramos, Se formos em busca apenas da superficialidade, da eficiência, do número, da estrutura, do objecto separado, vamos criar um mundo destituído do sopro invisível da vida, da totalidade e de sentido. Reduziremos o nosso mundo a um mundo de coisas inanimadas. A observação, portanto, é um acto moral. Estamos comprometidos. Não podemos pensar que o mundo seja aquilo que parece ser; nós permitimos a sua emersão à medida que caminhamos, escolhendo o mundo que queremos pelo modo como escolhemos vê-lo.
Negar o valor do modo holístico de percepção, reduz o nosso mundo a uma concha vazia e inexplicável. Acolher o invisível nos permitirá trabalhar como artistas sociais num mundo que é, ao mesmo tempo, misterioso e significativo; sempre presente e sempre se transtormando; sempre vivo."
Allan Kaplan, Artistas do Invisível (adaptado da versão de Português do Brasil 2004)
Em Artistas do Invisível, Allan Kaplan apresenta uma abordagem radicalmente nova para a compreensão das organizações e comunidades e para a prática de desenvolvimento social. Confrontando a tendência de se reduzir o desenvolvimento social a uma operação técnica controlável, a abordagem de Kaplan acolhe toda a complexidade do processo de transformação social. Neste livro, o autor escreve baseado em sua vasta experiência adquirida ao longo de anos de consultoria em processos de desenvolvimento - principalmente em África e na Europa -, assim como em seus estudos das obras de Goethe e Jung. Assim, Kaplan nos oferece um ponto de vista diferenciado, com uma abordagem atraente e original da prática do desenvolvimento organizacional e das mudanças de grupo.
“Como co-fundador da Iniciativa Proteus, esforço-me por reunir uma sensibilidade, compreensão e prática para a relação entre a integridade ecológica e a coerência social e a cura. Através de uma variedade de meios - escrever, facilitar, consultar, ensinar - ajudo as pessoas a ampliar os seus processos de desenvolvimento interior e exterior a maiores limites e profundidades.”