Cooperação num Mundo em Disrupção: Quem Define as Regras?

Agosto 2025
Cooperação num Mundo em Disrupção: Quem Define as Regras?
Entre 26 e 30 de maio de 2025 realizou-se a 5ª edição do International Development Summer Course (IDSC), promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, a Plataforma Portuguesa das ONGD e o CEsA/ISEG – Oficina Global. Durante uma semana intensa de debates online, especialistas, académicos e profissionais da área refletiram sobre o tema central “Cooperação num mundo em disrupção: quem define as regras?”, num momento em que as crises globais — geopolíticas, económicas, climáticas e sociais — desafiam os modelos tradicionais da Cooperação Internacional.
A Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), durante décadas vista como principal motor do progresso global, foi um dos grandes eixos de discussão. Apesar de ter atingido valores recorde em 2023, os números escondem realidades preocupantes: uma fatia cada vez menor chega aos países mais pobres, enquanto cresce a ajuda ligada, condicionada à aquisição de bens e serviços dos países doadores. Paralelamente, a APD surge cada vez mais associada a interesses estratégicos, comerciais e de segurança, levantando a questão: estaremos a assistir à financeirização da Ajuda e ao fim da sua vocação original?
Outro tema marcante foi a crise da dívida. Vários países em desenvolvimento enfrentam hoje a situação paradoxal de transferirem mais recursos para os credores internacionais do que recebem em Ajuda externa. Em alguns casos, o serviço da dívida consome a maior parte do orçamento nacional, comprometendo o investimento em saúde, educação e infraestruturas básicas. Esta realidade expõe dinâmicas de dependência que têm tanto de económico como de geopolítico, sublinhando a necessidade de uma reforma profunda dos mecanismos internacionais de gestão da dívida e de processos mais justos de cancelamento e renegociação.
A ligação entre crescimento económico e desenvolvimento humano foi também colocada em causa. O PIB continua a ser o indicador de referência, mas já não responde às exigências de um mundo que enfrenta desigualdades sociais profundas e uma crise ambiental sem precedentes. O debate destacou a urgência de modelos de crescimento verde e inclusivo, capazes de promover bem-estar, sustentabilidade e inovação sem repetir lógicas extrativas e dependentes. Foi igualmente salientado que as soluções para essa transição só serão eficazes se desenhadas pelos próprios países em desenvolvimento, garantindo autonomia, participação e respeito pelas suas prioridades.
No campo político, discutiu-se ainda a relação entre democracia e desenvolvimento. Embora os regimes democráticos sejam frequentemente associados a maiores progressos sociais, há exemplos de autocracias que conseguiram impulsionar crescimento económico e estabilidade. O essencial, defenderam vários oradores, não é o modelo político em si, mas a qualidade da governação, a responsabilização das lideranças e a capacidade de responder às necessidades dos cidadãos. A democracia não pode ser apenas formal: tem de traduzir-se em melhores condições de vida, sob pena de perder legitimidade.
Por fim, emergiu um diagnóstico claro: entrámos numa era pós-Ajuda, em que os paradigmas tradicionais estão a ser substituídos por uma arquitetura mais complexa de financiamento global. Novos atores, como a China, o Catar ou a Turquia, têm vindo a desafiar a lógica Norte-Sul, promovendo investimentos e empréstimos que escapam às normas da OCDE e ao sistema do Clube de Paris. A própria União Europeia responde com instrumentos como o Global Gateway, onde Ajuda, comércio e segurança se entrelaçam. A fronteira entre solidariedade e interesse estratégico torna-se cada vez mais ténue, e a Cooperação Internacional transforma-se num espaço de disputa pela definição de novas regras.
A conclusão que perpassou por todos os debates é clara: o futuro do desenvolvimento não está pré-determinado. Ele será moldado pelas escolhas coletivas de governos, instituições, sociedade civil e comunidades locais. O desafio é encontrar caminhos que permitam transformar a inevitável mudança em oportunidades de progresso mais justo, sustentável e autónomo. O IDSC 2025 contribuiu para lançar luz sobre essas encruzilhadas, reforçando a importância de pensamento crítico, diálogo aberto e inovação no campo da Cooperação Internacional.
Fonte: Palataforma Portguesa das ONGD's