A Jornada da Separação

Março 2022
 

Excerto do Livro Liderança Regenerativa – O ADN das organizações do século XXI que dão primazia à vida

Giles Hutchins & Laura Storm
Traduzido da versão em Inglês de 2019


“No livro de Bacon, O Nascimento Masculino do Tempo, ele fala de como a natureza deve ser feita escrava do homem (Bacon, 1603). Embora não devamos destacar Bacon, uma vez que ele foi uma pessoa numa mudança colectiva apoiada por muitos, as suas opiniões fornecem um rico exemplo da crescente desconexão do humano da natureza e do homem das mulheres que se formaram ao longo da Revolução Científica. 

Por exemplo, no seu trabalho Novum Organum, ele fala de explorar e interrogar a natureza através de experiências redutoras, pela "mão do homem ela é forçada a sair do seu estado natural, e espremida e moldada" (...) "Sendo a natureza conhecida, pode ser dominada, gerida e utilizada nos serviços da vida humana" (...)“A natureza em si mesma não tem qualquer propósito" (Bacon, 1620). 

Hoje em dia, podemos achar as suas palavras inquietantes, mas este pensamento fez parte de uma mudança generalizada na nossa visão do mundo colectivo em todo o Ocidente. 

Este pensamento moldou as sociedades que temos hoje, juntamente com o raciocínio cultural de que a natureza é um recurso a ser explorado apenas para a aposta humana. A partir da Revolução Cientifica, a natureza foi transformada em mercadoria para a silvicultura, a pesca, a agricultura e a exploração mineira. Entretanto, as mulheres (como se dizia que encarnavam e ritualizavam a natureza) eram posicionadas como indisciplinadas e selvagens, por isso, sem capacidade de racionalidade analitica e com necessidade de controlo e dominação. Durante os julgamentos de bruxas que começaram em 1485 e duraram quase 3 séculos, milhões de mulheres foram torturadas e interrogadas e centenas de milhares foram mortas e queimadas em frente de crianças, vizinhos e amigos para dar o exemplo de que estar em sintonia com a natureza não era diferente de trabalhar com o Diabo.
 

Esta separação cada vez maior e a quase completa separação das ligações ao nosso ambiente natural e à nossa essência feminina fizeram-nos virar as costas a centenas de milhares de anos de profunda integração nos caminhos da natureza e da igualdade entre os géneros. Num período de décadas, tanto as mulheres como a natureza passaram a ser vistas como selvagens e demoníacas, necessitadas de controlo. Este foi o início da priorização dos traços masculinos em detrimento dos femininos. Cada ser humano exibe traços masculinos e femininos, no entanto, ao longo dos últimos séculos, as qualidades masculinas têm sido percebidas pela sociedade como superiores às femininas. O quadro aqui apresentado enumera algumas das qualidades identificadas como tipicamente masculinas ou femininas.

Traços Masculinos Traços Femininos
Foco nas necessidades internas Compaixão para com os outros
Competitivo Colaborativo
Assertivo Receptivo
Protector Nutridor
Orientado para objectivos Orientado para relações
Pensamento racional Pensamento intuitivo
Independência Interdependência
Mono-tarefa Multi-tarefas
Viés para a acção Viés para o fluir


Adaptado/Traduzido em Abril 2022



O reducionismo analítico racional foi a marca registada da Revolução Científica. O filósofo e matemático francês René Descartes, outro dos principais impulsionadores da revolução científica, sentiu-se compelido a rejeitar a noção da natureza como sendo viva, sensível, interligada, e imbuída de sabedoria. Separar a natureza da mente (ou espírito) era o pré-requisito necessário para o mecanicismo e o reducionismo - a perfuração em partes, ignorando as inter-relações ou as sensações sistémicas.
 

Em 1630 Descartes escreveu ao teólogo católico Marin Mersenne, "Deus estabelece leis matemáticas na natureza, como um rei estabelece leis no seu reino", excluindo assim da natureza qualquer forma de consciência e senciência (Berman, 1981). A natureza tornou-se uma mera forma exterior de matéria (...). Os filósofos Thomas Hobbes e Isaac Newton também contribuíram para reducionismo. A suposição básica de Hobbes era de que a humanidade e a natureza consistem em unidades atomizadas e competitivas envolvidas numa "guerra de todos contra todos (Leviathan, 1651), um pressuposto imperfeito que ainda hoje está connosco, que influencia o Neo-Darwinismo, onde todo o processo de evolução é visto como um processo de dominação egoísta. Até hoje, quando falamos de como a natureza funciona, muitos referem-se automaticamente à dura luta pela sobrevivência num mundo de competição impiedosa.
 

A sobrevivência do mais apto já não retrata a intenção original de Darwin de se encaixar no nosso nicho, em vez disso, veio a significar a dominação dos outros através do poder e controlo que justifica a guerra, o imperialismo, e o comportamento egoísta, porque supostamente está na nossa natureza. É assim que muitos interpretam o mundo que nos rodeia. Mesmo os documentários da natureza de hoje realçam os aspectos competitivos e minimizam a dinâmica de colaboração em acção.
 

Esta perspectiva enviesada influencia a forma como nos comportamos e relacionamos nos negócios, na política e na sociedade em geral. A competição é uma só, mas há muitas dinâmicas em jogo na natureza. A vida prospera de inúmeras formas, em grande parte através de redes, parcerias, e colaboração. A competição implacável do “dog-eat-dog” não é de facto a norma. No entanto, nos últimos séculos, condicionámo-nos a ver a vida sob uma certa luz, que mina o nosso potencial humano de ligação e coexistência.
 

O período da Revolução Científica deu grandes passos no progresso material e no discernimento científico de que hoje beneficiamos grandemente, no entanto, esta desconexão da natureza – o nosso habitat natural - e a dominação do feminino cria um desequilíbrio em nós como colectivo e como indivíduo. Uma ferida muito profunda (...), que se manifesta como um trauma psíquico dentro da nossa espécie. Este trauma e desequilíbrio colectivo é a causa subjacente do medo crescente, ansiedade, egoísmo, individualismo, e consumismo.
 

Quando não nos sentimos completos ou inteiros por dentro, começamos a procurar cada vez mais "lá fora" para reparar uma ferida profunda que está "aqui dentro". Como os modelos abaixo ilustram, esta Jornada de Separação colectiva abrange a separação entre a humanidade e a natureza, e também entre o feminino e o masculino. As duas primeiras fases da viagem (ligação e separação crescente) ocorrem em tempos antigos, com uma separação acentuada que ocorreu há cerca de 500 anos atrás. Esta terceira fase ainda hoje está connosco, com os primeiros sinais de uma quarta fase a emergir – uma de cura, reconexão e integração.


Imagens traduzidas/adaptadas das originais do livro, em Março 2022



A visão do mundo actual separa a mente da natureza e, por conseguinte, vê-a como um conjunto de recursos sem sentido a explorar, sem qualquer consideração ética, excepto em termos do valor que ela tem para nós, humanos. Com esta mentalidade, a nossa probabilidade de sobreviver como raça é, como disse Gregory Bateson, "a de uma bola de neve no inferno".
Mesmo neste século, muitos de nós não sabemos o que significa ter uma forte ligação interior, ou como nos sentimos no nosso próprio corpo acerca de certas situações. 
 


Sabem? Sabe como se sente estar fortemente ancorado em si mesmo; em paz e fundamentado em si mesmo? Hoje em dia, muitos líderes consideram que as reacções e percepções corporais são irracionais e irrazoáveis. A nossa relação com a sabedoria inata da natureza pode muitas vezes ser vista como “hippie-dippy” e não ser levada a sério. 
 

A intuição é algo que não é realmente compreendido, e é visto como questionável. Qualquer pensamento irracional deste tipo pode ser ridicularizado como de segunda classe (...). Em qualquer situação, muitos de nós vamos imediatamente ao cérebro, para analisar a situação, ignorando qualquer insight intuitivo ou gut-feeling. Reagimos (...) em vez de fazer uma pausa, respirar fundo, e enfrentar uma situação desafiante de forma sensata. 
 

Afastamo-nos involuntariamente de nós próprios e da nossa realidade natural! Basta olhar para a forma como abordamos a vida. Alguma vez olhou para o conforto exterior - uma nova engenhoca, compras, comida especial, uma escapadela de fim-de-semana, uma experiência desportiva extrema, talvez até um encontro ou um affair - quando se sentiu confuso ou perturbado por dentro? Alguma vez colocou mais horas de trabalho num vazio para se sentir (temporariamente) bom ou digno? Enquanto nos ocupamos com o "fazer" exterior, estamos a entorpecer o nosso "ser" interior.”


No final do mês de Abril este livro já estará disponível em Português de Portugal na Bambual Editora www.bambualportugal.pt

Acompanha as nossas histórias, conteúdos mensais e agenda.

Acompanha as nossas histórias, conteúdos mensais e agenda.

 

Preencha todos os campos.

Ao submeter, aceito a Política de Privacidade da Reflorestar.


 
Aqui encontras conteúdos que podes
partilhar com a tua comunidade local de
forma simples, apelativa e útil.
Convida a tua Organização a ser parceira
e pede os teus acessos.
PREENCHA OS DADOS

Não tens conta? Pede o teu acesso

Já tens conta? Efetua o teu login