Carl Philips - Prémio Pulitzer de Poesia

Maio 2023
 

Prémio Pulitzer de Poesia Carl Philips

"Temos o prazer de partilhar que os colaboradores de Emergence, Carl Phillips e David G. Haskell, foram reconhecidos pelas suas distintas contribuições para a esfera literária. Carl, que explora o poder da ternura, da fé e da ligação como forças de mudança, ganhou o Prémio Pulitzer de Poesia; e David, cujos trabalhos vibrantes nos envolvem com a beleza e o animismo do mundo vivo, foi nomeado finalista para Não Ficção Geral.

O reconhecimento destes dois notáveis escritores é um testemunho da ressonância das vozes que falam de amor à Terra durante este tempo. Parabéns ao Carl e ao David por este feito tão importante. Para comemorar, partilhamos uma selecção de histórias e adaptações das suas obras premiadas." (The Emergene Magazine)
 

Excerto "Among the Trees" de Carl Philips

"A MINHA MEMÓRIA MAIS ANTIGA de árvores é de uma figueira em particular no quintal da primeira casa de que me lembro, em Portland, Oregon. Tinha, no máximo, cinco anos. Às vezes, lembro-me de brincar à sua sombra e, outras vezes, das abelhas que pareciam florescer no interior das ventanias - embora agora pareça que não era tanto o vento que derrubava os frutos, mas o próprio peso da maturação, como se a doçura, demasiada doçura, significasse erro, castigo, portanto; durante horas, eu observava as abelhas a entrar e a sair dos lados abertos, e como os figos pareciam solitários, depois de as abelhas se terem ido embora, como se ser pilhado significasse, pelo menos, não estar sozinho...
 

Uma noite, em vez de entrar quando me chamavam, trepei à figueira, só de t-shirt e cuecas. Parecia um jogo, estar em cima da árvore e os meus pais não conseguirem encontrar-me, chamando pelo meu nome enquanto vagueavam pelo quintal. E então, de alguma forma, caí e, de repente, parei de cair: as minhas cuecas tinham ficado presas num ramo, salvando-me de bater no chão, mas segurando-me no ar, incapaz de descer. Se bem me lembro, a minha mãe disse ao meu pai para ir buscar um escadote.

O que está bem claro na memória é o meu pai a dizer que eu devia ficar ali pendurado na árvore durante algum tempo, para aprender uma lição sobre a desobediência aos meus pais.
 

Não encontro provas, nos sessenta anos em que o conheço, de que o meu pai esteja particularmente atento às ressonâncias históricas quando se trata da nossa vida quotidiana, mas não consigo deixar de pensar no lugar das árvores na história afro-americana, como local de linchamento. Que estranho que o meu pai, um afro-americano, considerasse um castigo adequado deixar o seu filho pendurado numa árvore durante a noite.

A minha memória mais antiga de humilhação é a de uma figueira em particular no quintal da primeira casa de que me lembro. Quem pode dizer até que ponto isto está relacionado com a minha recusa, durante toda a minha vida, em acreditar que o perdão existe?
 

ALGUMAS ÁRVORES SÃO bússolas e outras são bandeiras. Se uma bandeira nos diz onde estamos, uma bússola pode potencialmente dizer-nos como chegar lá ou como encontrar outro sítio. Uma bandeira, ao marcar um ponto, parece mais definitiva, uma forma de pontuação;

uma bússola implica movimento, navegação. Conheço um homem que, sempre que precisa de escrever, ou chorar, ou pensar - pensar a sério - vai a um salgueiro no seu parque local e esconde-se debaixo dos seus ramos drapeados. Ele vai lá tantas vezes que quase se pode dizer que se tornou parte do salgueiro; ele próprio parece um salgueiro; ele marca um lugar na minha vida onde parei para descansar, uma vez, mas não consegui ficar. Depois há um outro homem, já há muito tempo. O seu corpo é uma floresta quando visto do ar num pequeno avião, de modo que é possível aproximar-se o suficiente para ver onde os carvalhos dão lugar aos choupos, ou onde, se seguirmos os pinheiros o suficiente, eles se abrem para um campo através do qual podemos ver o oceano. Não teria conseguido encontrar o caminho para aqui sem ele.
 

Apesar do meu acidente de infância com a figueira, e apesar dos contos de fadas, em que a floresta contém tantas vezes perigo - bruxas prontas a enfiar crianças em fornos, lobos disfarçados de avós inofensivas - sempre gostei de árvores. Durante todo o liceu, vivi numa casa na floresta, em Massachusetts, e mesmo nas manhãs mais escuras do Inverno, o que me impedia de ter medo eram as próprias árvores - sobretudo pinheiros, como lhes chamávamos lá, com carvalhos lutadores espalhados entre elas. Ao contrário dos miúdos da escola, as árvores permaneciam silenciosas quando eu passava, e eu interpretava isso como um sinal de aceitação. Irracional, é certo - mas no meu sentimento tão diferente de todos os outros na escola, na minha luta confusa com o que sentia ser real mas não conseguia nomear com precisão, porque não tomar o silêncio como aceitação? Entre as árvores, a solidão podia ser ela própria, ao ar livre - tal como a estranheza - mesmo que ambas permanecessem escondidas do resto do mundo durante o tempo que demorava a atravessar o bosque até à paragem do autocarro. Enquanto caminhava, cantava para as árvores, primeiro em voz alta, depois cada vez mais baixinho, à medida que me aproximava do ponto em que o bosque se afastava, até que tudo o que conseguia ouvir era o vento que passava através das folhas e das agulhas. Um som como se as árvores não pudessem cantar de volta, mas estivessem a tentar.
 

Tal como acontece com os mitos, os contos de fadas parecem muitas vezes concebidos para explicar algo muito real em termos surreais. A história do Capuchinho Vermelho tanto pode servir para alertar para o facto de existirem animais perigosos na floresta como para sugerir que se podem encontrar potenciais criminosos. O secretismo que uma floresta proporciona faz dela o cenário perfeito para o crime. Também para a intimidade, que tem sido frequentemente considerada um crime (...)"


 

Fonte: The Emergence Maganize

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