Julho I Bem Vindo Fogo da Criação

Julho I Bem Vindo Fogo da Criação
Bem Vindo Fogo da Criação.
É a inspiração do quadro da sala, que escrevi no solstício, após um longo período no vazio.
Ciclicamente preciso de voltar ao vazio. O feminino é cíclico. Precisa voltar ao vazio, não só biologicamente, libertando o que não foi fecundado.
Vazio não implica parar tudo. Pode haver momentos, em que é preciso parar tudo, menos de respirar. No meu caso, este longo período, foi um vazio funcional, leve e consciente. A redução de estímulos, de ruído, de matéria e de mapas.
Esvaziar. Tudo o que não seja mais importante, ou ainda que sendo, tenha já cumprido o seu papel, mas esteja agora apenas a ocupar espaço.
“O saber não ocupa lugar” dizem. Ocupa pois. Não só ocupa espaço, como pode ser conflitante com algo novo que quer emergir. Ciclicamente precisamos de nos libertar de cartografias antigas (mesmo as que adoramos), e experimentar novos caminhos, guiados pela nossa candeia interna.
Não é um esvaziar extrativista-consumista, em que se experimenta, consome e descarta. É um esvaziar que vem do coração profundo. Que conhece o silêncio-ouro. E que sabe que ciclicamente é preciso regressar a Casa. A esse espaço de silêncio balsâmico, que é em primeiro lugar interno, mas que precisa da nossa decisão (e coragem) para desligar, os ecrãs, o ruído, os compromissos.
Cada ida a Casa é sempre diferente. Tanto bênção quanto surpresa.
Desta vez conheci alguns lugares novos, tanto internos, quanto externos.
Num destes lugares internos, seguidos de uma manhã de Julho chuvosa e serena, estava longe de imaginar que a água, presente em toda a paisagem, haveria de me brotar horas mais tarde do peito.
Sim do peito. Chegou como uma avalanche. Inesperada. Uma tristeza profunda, a querer irromper do peito, que me deixa confusa. De onde é que isto vem?
Um choro que tomo consciência que não é “de agora”, é tão antigo! Não lhe conheço o seu momento ou causa de origem. Aliás os seus momentos ou causas de origem. Mas ainda assim rendi-me a ele. Deixei que se derramasse, acompanhado de sons e movimento. Devidamente testemunhada e sustentada.
Uma libertação de camadas profundas, de choros não chorados e/ou completados e que porventura nem sequer são apenas “meus”. Nunca é “só nosso”. E quem está a arrumar isto na caixinha do julgamento pseudo neo-liberal do Desenvolvimento Pessoal e da “cura”, desengane-se, que isto não é nem um desabafo de iniciante, nem uma tentativa de capitalizar intimidade.
É mesmo um ato de partilha genuína, que por um lado me ajuda a integrar esta experiência profunda, e que por outro invoca uma oração de cuidado comum nesta transição que vivemos.
Como podemos cuidar uns dos outros e ser gentis uns com os outros, perante tanta violência? Como ajustar esta dança entre cuidado interno e externo, sem cair na armadilha do auto-cuidado como fuga do que nos é difícil de encarar, e que nunca é pessoal, é sempre coletivo.
Como deixar de perpetuar esta projeção de culpa num inimigo externo, que vai alternando, em vez de assumirmos o nosso estado de agência?
Como nos responsabilizarmos individual e coletivamente, pelo futuro que estamos a criar?
Como ser Ativistas delicados nesta transição? Não apenas nas nossas bolhas seguras e confortáveis, mas abrindo-nos verdadeiramente ao Mundo, incorporando a compaixão a partir das nossas células. Sabendo que o amor e a dor nos atravessam e que isso é Vida a pulsar. Que a passagem do Pessoal para o Impessoal, não é frase bonita para se dizer, é vida no corpo a acontecer.
E que a vida, preciosa, precisa de todos nós.
Ela não está aqui para nos servir. É ao contrário, nós é que estamos aqui para servir a vida.
Esta sexta feira, as lágrimas jorraram das nuvens e dos meus olhos. Tudo foi regado, lavado.
Abençoadas lágrimas, regaram o chão, esvaziaram camadas profundas do meu ser, lavaram-me a alma. Assim como chegou, a Dona tristeza, seguiu o seu curso, talvez para as nuvens novamente. O sol e o fogo do meu coração voltaram a irradiar, a aquecer e a inspirar.
Bem vindo fogo da criação. Agora sim, o cálice-cristal está vazio e lavado, pronto para te receber!
A minha infinita devoção e gratidão à Mãe, que no seu amor imenso e mistério, nos acolhe e transforma.