Arquitectos da África Ocidental Procuram no Passado Soluções para Combater o Calor do Futuro

Abril 2023
 

As paredes de adobe da Grande Mesquita de Bobo-Dioulasso, no Burkina Faso, são todos os anos impermeabilizadas com manteiga de karité. No entanto, muitas vezes o material não consegue resistir às chuvas intensas.

Muitas comunidades mudaram-se para casas integralmente construídas com betão, mas o barro ainda é utilizado e é reconhecido como solução tradicional para o problema contemporâneo do aumento da temperatura.
 

Num texto de Peter Schwartzstein, publicado no Natinal Geographic, podemos acompanhar Sanon Mousa um bibliotecário que numa aldeia do Burkina Faso faz a manutenção anual da sua casa com três divisões.

Substituiu as vigas do telhado, reforçou as paredes de barro que protegem do calor, algumas das quais com um metro de espessura e mais de cem anos de idade. Engrossou a cobertura de colmo do telhado, aplicando camadas de material isolante no exterior. “A lama vai manter-nos frescos. O óleo de motor, a argila e a bosta de vaca vão manter a casa seca”, explica, sobre a casa que se encontra 13ºC mais fresco do que o exterior. “É uma prática que temos aperfeiçoado.”

O Chefe desta aldeia Sanu diz “Este é o nosso património (...) Durante milhares de anos, estas casas proporcionaram-nos uma boa vida. Porque havemos de mudar quando precisamos delas mais do que nunca? Talvez isto seja a modernidade”, acrescenta. “Talvez já não seja possível combatê-la.”.


 

Barro versus betão

À medida que o nível de vida aumenta e o acesso ao betão se expande, algumas das paisagens mais quentes e mais pobres do planeta estão a alterar-se rapidamente, mudando de castanho para o cinzento-cinza dos blocos de betão.

No entanto, o abandono dos materiais tradicionais não é um sinal de progresso. Pelo menos assim o diz um número crescente de arquitectos, líderes comunitários e funcionários da administração pública. E não o é sobretudo neste momento, em que as alterações climáticas tornam ainda mais quentes regiões já de si quentes. O fabrico de cimento, componente essencial do betão, representa cerca de 8% das emissões globais de dióxido de carbono.

Os defensores das técnicas tradicionais de construção são peremptórios: as comunidades fustigadas pelas alterações climáticas precisam de mais casas, escolas e centros cívicos construídos de forma tradicional. “Na verdade, a construção em cimento é simplesmente sexy”, afirma o arquitecto Francis Kéré, nascido no Burkina Faso e mundialmente conhecido como defensor da arquitectura eco-sensível. “Mas não gera conforto.”

As paredes de barro, quando construídas com espessura suficiente, conseguem absorver e armazenar calor, posteriormente dissipado quando as temperaturas exteriores baixam durante a noite. Em contrapartida, os blocos de betão, com as suas reentrâncias ocas, permitem que o calor circule no interior, aquecendo rapidamente.
 

A motivação dos arquitectos como Kéré deve-se, em parte, a um desejo de preservar o património e a identidade. Apesar de associados à pobreza e ao atraso, os tijolos de adobe permitem criações arquitectónicas espectaculares e de importância mundial, como o centro da cidade de Tombuctu, no Mali, e a Grande Mesquita de Bobo-Dioulasso no Burkina Faso.

Países com tradições significativas, mas em grande parte perdidas, de construção com adobe, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, também estão a tentar replicar a estética e as características de refrigeração da arquitectura tradicional, integrando túneis de vento, orientando edifícios e utilizando a sombra.

Os defensores da recuperação do uso do barro também acalentam uma ambição mais grandiosa, sobretudo em África. Num continente que só representa 4% das emissões mundiais, mas que sofre parte das piores consequências das alterações relacionadas com o clima, esforçam-se por se assumirem como donos de algumas dessas soluções no momento em que as potências mundiais tentam tomar medidas significativas. Para vencer o calor, estes arquitectos sugerem que as tradições locais, baseadas na natureza, podem ter importância idêntica à tecnologia e aos conhecimentos especializados vindos do estrangeiro.

“Afastámo-nos das nossas origens porque nos esquecemos dos enormes benefícios proporcionados por estes edifícios quando há calor”, queixa-se a arquitecta premiada Salima Naji, paladina da construção com adobe em Marrocos. “Mas temos de recordá-los, sobretudo porque precisamos deles mais do que nunca”, afirma.
 

Refúgio para os encalorados

Estão no mínimo 45ºC à sombra quando chego à cidade de Kaya, no Norte do Burkina Faso. Porém, no interior do mais recente projecto da arquitecta Clara Sawadogo, estão muito menos de 30ºC. O tecto abobadado de terra e as paredes de tijolos de adobe do hospital semiacabado retêm a frescura. Orientado em direcção aos ventos predominantes de norte e rodeado por vegetação luxuriante e geradora de sombra, o local já é suficientemente atraente para os cães vadios que ali dormem.

Clara Sawadogo é jovem e pertence a um movimento global que pretende devolver a popularidade ao barro. Basicamente, o material é gratuito ou acessível por uma pequena fracção do custo do betão (que requer ingredientes que, no caso do Burkina Faso, são importados). Nas jazidas de barro dos arredores de muitas das aldeias mais importantes, equipas de trabalhadores retiram a lama do solo, comprimem-na em moldes rectangulares semelhantes a bolachas e depois vendem cada tijolo seco ao sol por 40 francos oeste-africanos – cerca de 8 cêntimos.

“Costumam lembrar-me que estamos no século XXI e pedem para parar de usar adobe”, diz a arquitecta, ao apontar para o hospital. “Mas olhe para isto. Há aqui algo que não seja moderno?”

A construção com barro contribui pouco para o aquecimento global. E o betão tende a ser uma porta de entrada, desde que as pessoas consigam pagá-lo, para outra invenção devoradora de combustíveis fósseis: o ar condicionado. Em todo o mundo, a electricidade e os líquidos de refrigeração são fontes crescentes de emissões de gases com efeito de estufa.

O principal argumento de venda para o adobe no Burkina Faso, onde as temperaturas raramente descem abaixo de 32ºC, é o facto de este material tornar o calor suportável, mesmo sem ar condicionado. Até final deste século, o aquecimento previsto na maior parte de África é superior a 2ºC, registo que mascara subidas ainda maiores da temperatura em certas regiões do continente.
 

Em Boromo, Ilboudou Abdallah reconstruiu recentemente a sua casa de betão e telhado de chapa metálica. Usou apenas adobe. “Não consigo exprimir a alegria de estar dentro de casa sem sofrer”, diz. A Associação Nubian Vault, uma ONG internacional, ajudou a edificar a casa, uma entre mais de seiscentas habitações particulares que construiu no Burkina Faso em 2020.

O modelo abobadado usado pela organização dispensa a utilização de coberturas metálicas, que aumentam o calor nas casas de betão ou de barro, ou de madeira. Esta solução é vital para um país que chega a perder 240 mil hectares de floresta por ano devido à desflorestação, segundo funcionários do Ministério das Florestas. Parte da madeira destina-se a suportes para os telhados.

Francis Kéré, o arquitecto destes edifícios, mostra-se contente com este efeito. “Ficámos a saber que o problema não reside apenas nos materiais: o betão não é forçosamente mau”, diz. “A questão é a sua utilização. Eis o que é possível fazer quando se reflecte sobre a forma de construir e como deve ser uma estrutura de barro.”

Figuras importantes, a nível local e mundial, parecem concordar com a sua forma de pensar. Nos últimos anos, Francis Kéré projectou o novo edifício da Assembleia Nacional do Benim que se encontra quase construído. Em Março de 2022, Francis tornou-se o primeiro arquitecto africano a conquistar o Prémio Pritzker, o mais prestigioso galardão mundial de arquitectura.
 

Nem tudo é cor de rosa mas o caminho incentiva a continuar

Há naturalmente e apesar dos benefícios desta prática, episódios de acidentes climáticos como ciclones e chuvas intensas, que provocam danos e mesmo derrocadas em estruturas de adobe. E com os cada vez mais persistentes e regulares eventos climáticos na fustigada África, convenhamos que, as derrocadas são devastadoras, principalmente nas conhecidas palhotas ou similares, mas também em construções de betão e de barro.

Há por isso, cada vez mais, em diferentes contextos e continentes, técnicas de construção que incorporam outros materiais com a terra, para garantir uma maior robustez face às catástrofes naturais.

Francis Kéré mostra-se contudo optimista quanto às perspectivas do adobe. “É uma questão de tempo, é uma questão de convicção, é uma questão de vontade política. É um combate e nós não olhamos para a esquerda nem para a direita. Dentro de dez anos, vai ficar surpreendido com o nosso sucesso.”

Francis Kéré e outros defensores do adobe têm desenvolvido esforços para reabilitar a imagem deste material. Procuram descobrir soluções para proteger das chuvas os edifícios de adobe, acrescentando telhados metálicos amplos, que proporcionem protecção mais de um metro além das paredes ou misturando pequenas percentagens de cimento nos tijolos de adobe para reforçá-los.


Fonte: National Geographic Março 2023 (adaptado de)

Foto: Moises Saman

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