Carlos Serra - Reutilização de Pneus faz Milagres na Protecção Fluvial e na Macaneta
Março 2024
Tem vindo a ser desenvolvido pelo ambientalista Carlos Serra um projecto de protecção fluvial e costeira que faz aproveitamento de pneus usados aplicando-os ao longo das margens do rio Incomáti e da praia de Macaneta, situada no distrito de Marracuene, na província de Maputo. Há várias décadas que o fenómeno da erosão costeira se tem acentuado, calculando-se que, nos últimos 30 anos, cerca de 50 metros de margem tenham sido perdidos.
Carlos Serra nasceu dois anos antes da independência na quarta maior cidade do país, a Beira, na província de Sofala, zona central de Moçambique. Cresceu na cidade das acácias, Maputo, onde se formou em Direito. Trabalha na área do ambiente desde o início dos anos 2000, e em 2004 tornou-se activista ambiental. Fundou a Cooperativa de Educação Ambiental “Repensar” em finais de 2018, a partir da então Cooperativa de Educação Ambiental “Ntumbuluku”, uma experiência inicial.
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Construir uma barreira reutilizando pneus nas margens do rio Incomáti é uma ideia que surgiu a partir de um grito de socorro que o Macaneta Beach Resort emitiu. “Desesperados, já tinham tentado quase tudo para travar a fúria das águas e evitar que o rio galgasse o seu espaço e destruísse tudo o que eles tinham”, avançou o ambientalista.
“Na realidade, o rio Incomáti está profundamente alterado. Há várias actividades que mexeram com o fluxo normal das águas e a sua dinâmica, e isso começou a constituir uma série de ameaças ao rio durante a sua trajectória”, explicou, sintetizando assim o projecto: “Nós pensámos numa solução que fosse de relativo baixo custo, que reutilizasse materiais, resíduos que pudessem ser combinados com soluções de restauro natural ou ecológico. Desenvolvemos uma forma, e aprimorámos”.
Carlos Serra fez saber ainda que a experiência foi lançada em Fevereiro de 2021, com sucesso, mas, aprenderam com erros que também cometeram: “Houve momentos de fenómenos climáticos extremos que produziram alguns estragos no início da construção da barreira e fizeram com que reformulássemos todo o conceito e corrigíssemos com sucessos (...) O Resort estava bastante ameaçado. Tivemos chuvas, passámos por um momento crítico e dramático, corríamos o risco de perder a infra-estrutura principal, composta por restaurante, esplanada e instalações de apoio, incluindo uma sala de conferências. É uma zona de muito risco. Mais a sul a erosão é uma realidade muito grave”, desabafou.
Segundo Serra, a primeira intervenção de emergência foi feita junto das instalações. Mais tarde, alargou-se a frente de protecção costeira: “Alargámos não só para Sul mas também para Norte, em relação ao rio. Criámos um nível de defesa de pneus e areia, muito solo foi recuperado. É espectacular o que está a acontecer. Estamos a falar de uma barreira com quase 300 metros. Não está finalizada, há ainda dois pontos por fechar. No final do processo, lançamos sempre a vegetação e criamos condições, através da colocação de solo de matope, para que a vegetação brote naturalmente, por si só, então temos alguns componentes da barreira tão verdes que nem dá para acreditar que ali na barreira há pneus”.
Os pneus usados pelo projecto Repensar são, na sua maioria, doados por instituições, bem como por amigos particulares. “Para além de usarmos pneus, contamos com muito entulho e alguma pedra proveniente de construções que estão a ser demolidas na Macaneta para dar lugar a outras. Também recorremos à vila de Marracuene para procuramos entulho – por vezes somos obrigados a comprar –portanto, é uma reutilização de resíduos de construção. Utilizamos areia do rio e matope, para nós matope é uma espécie de cimento, ele é fundamental para evitar a fuga da areia com as dinâmicas das marés”, explicou Serra.
De acordo com a nossa fonte, o projecto de protecção fluvial não tem orçamento, pois ele é feito com trabalho voluntário. “Pontualmente, pagamos mão-de-obra cirúrgica que é usada para reforçar os fins-de-semana. Depois da semana laboral, dedicamo-nos a este exercício, e tem sido assim há dois anos e dois meses”.
No que tange ao número de pneus usados na construção da barreira, Serra avançou que não existe nenhuma estimativa, embora reconheça que foram usados milhares. “Os pneus visíveis são apenas um lado da moeda, aprendemos a usar pneus no interior da barreira para melhor estruturação. Para os pneus das aeronaves, como são mais pequenos, encontrámos uma aplicação fenomenal na construção do esqueleto, que é crucial para tornar a barreira mais consolidada e sólida. Optamos sempre por procurar pneus extremamente pesados provenientes das máquinas grandes e de tractores”, contou.
Para o ambientalista, o ideal seria terem sempre pneus pesados em quantidade, porque vão para a base da barreira. Infelizmente não chegam para toda a extensão, mas onde foram aplicados a fórmula é realmente perfeita. Na falta dos pneus pesados ou das máquinas, usam pneus de camiões; os pneus mais leves, como os dos automóveis ligeiros, vão para o topo ou para a estrutura interna.
Na mesma ocasião em que o entrevistámos, Carlos Serra falou de mais trabalho que tem vindo a desenvolver ao nível da Macaneta: “Temos um programa ambiental integrado que junta a educação ambiental formal, através do apoio entre escolas, e a informal, junto das comunidades, pescadores, comerciantes e utentes da praia, turistas nacionais e estrangeiros, que são um elo chave, porque realmente, agora, com a abertura da nova estrada, a praia passou a ser mais procurada do que anteriormente, e nós exercemos essas actividades de educação.
Apoiamos na gestão de resíduos. Não o fazemos em toda a localidade, mas numa parte dela, mantemos a estrada da Macaneta limpa, assim como uma parte da frente costeira. Fazemos igualmente monitoria, ou melhor, estudo, em relação aos tipos de resíduos encontrados, quantidades, marcas e embalagens. Construímos um eco-centro onde desenvolvemos uma série de actividades, juntamos um pouco de cultura e educação, para além do ambiente. Temos procurado, através desta construção, mostrar que é possível encontrar soluções alternativas de implantação de infra-estruturas no espaço principalmente em harmonia com a natureza.
A nossa principal mensagem é: Não destrua a floresta costeira!”, enfatizou Serra.
Em paralelo, ocorrem algumas actividades ligadas a protecção terrestre. O nosso entrevistado também actua nesta componente: “Fizemos o restauro do mangal, lançámos cerca de 4.000 mudas de mangal no ano passado, numa extensão considerável. Fizemos o Dia Mundial da Limpeza, com sucesso, a nível nacional, claro com foco muito grande na Macaneta”, concluiu.
Fonte: Revista Xonguila