É Preciso uma Nova Construção Social de Aprendizagem

Junho 2023
 

O modelo de ensino que vigora em Portugal “é excludente, hierárquico, autoritário, amoral e intelectualmente corrupto”. A solução, defende o pedagogo, passa por uma nova construção social e por colocar em prática as Comunidades de Aprendizagem.

José Pacheco, reconhecido professor e pedagogo portuense, luta há mais de meio século por uma Escola que rompa com o modelo de aprendizagem vigente em Portugal, que remonta ao século XVIII, “completamente ultrapassado” e que, a seu ver, “deixa muitos alunos para trás”, desrespeitando o direito constitucional de uma “educação para todos”.
 

“Este é um modelo assassino. A sala de aula é um cemitério de talentos”, afirmou José Pacheco durante o debate que presidiu na Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes, em Torres Novas, na quarta-feira, 24 de maio, a convite do Núcleo de Capacitação Pessoal e Comunitária – Sementes. Opondo-se ao conceito de uma escola fechada, em que os alunos são separados por turmas e distribuídos por salas de aula (...).
 

O professor lamenta assistir de ano para ano, ao crescimento exponencial de centros de estudo e de explicações no país, a par de uma realidade cada vez mais visível, como é “o aumento de jovens reprovados, do abandono escolar, dos analfabetos funcionais, de um maior sofrimento dos professores com as doenças profissionais, e do suicídio juvenil”. Prova de que “está tudo errado”.

Por isso, vinca, “não podemos continuar a querer curar uma ferida profunda com pensos rápidos”.
 

“Aquilo que, infelizmente, os ministérios têm feito, tanto em Portugal como em outros países, é aplicar no modelo velho, pequenos paliativos, como são os cursos de ensino híbrido, por exemplo. Inventam modas, pensando que isso vai resolver. Uma das modas surge a partir da produção teórica de Ramón Flecha, o chamado projeto das Comunidades de Aprendizagem. Porém, aquilo que está na teoria, e muito bem, não está na prática. Quando vou a uma escola que está inscrita nesse projeto do Governo, eu não vejo comunidade. Vejo sala de aula, turma… tudo aquilo que é do século XIX. Vejo crianças do século XXI, com professores do século XX, a trabalhar como no século XIX. Isso não é comunidade”, sustenta.

“A Escola tem de entender que um projeto educativo que foi aprovado tem de ser cumprido. E se eu disser, que a maioria dos professores, nem sequer sabe o que está escrito no projeto educativo da escola? Infelizmente é assim”, desabafa.
 

José Pacheco diz que “o Ministério é um monstro burocrático”, que facilita a continuidade de um modelo educacional “que é excludente, com falta de inclusão social, com discriminação social, com tudo aquilo que não deve ser uma escola pública”.

Romper com o modelo educativo tradicional “só é possível com uma nova construção social de aprendizagem”, defende José Pacheco.

Ou seja, partindo para um paradigma educacional em que “o centro não é o professor, nem é o aluno”, mas sim “a relação, a ligação, entre o professor, como mediador, e a criança ou o jovem, enquanto sujeito de aprendizagem”, porque “sem vínculo não há aprendizagem”: “Nenhum aluno aprende se não estabelecer uma relação de empatia, de afeto e de respeito com o professor”, nota.
 

Pacheco defende uma “escola aberta”, sem divisão por ciclos de ensino, sem turmas, sem salas de aulas e sem testes. Uma escola que fomente a vontade de aprender. Em que o professor estimule a curiosidade e as aprendizagens e não se limite a debitar matéria para os alunos decorarem. “O professor não deve planear aulas. O professor deve ajudar os alunos a construir um projeto de vida. E o aluno, perante um objeto que é significativo, vai pesquisar, vai construir conhecimento e partilhá-lo, produzindo avaliações.”, defende.

Fomentando laços entre a comunidade e a Escola, entre pais, professores e alunos, José Pacheco acredita que é possível construir um modelo educacional baseado em círculos de aprendizagem, de vizinhança e de proximidade, que se cruzam e complementam, dando origem às comunidades de aprendizagem, que “ajudam o aluno, a partir das suas necessidades, dos seus talentos individuais e dos seus sonhos, para a construção de um projeto de vida.”

Esta é uma luta que José Pacheco trava há muito tempo e da qual não desiste, depositando as suas esperanças no corpo docente.
 

“Eu sou professor da escola pública há mais de 50 anos. Eu acredito nos professores. Acredito que entre os professores, pode haver quem desperte para a necessidade de reelaborar a sua cultura pessoal e profissional. Se nós partirmos daqui, temos uma vasta produção teórica, passando por Agostinho da Silva, Lauro de Oliveira Lima, Paulo Freire, Bento Jesus Caraça, António Sérgio. Toda essa gente, produziu teoria que está disponível, que pode e deve ser aproveitada”.

O professor reconhece que “não vai ser tarefa fácil construir um novo modelo social de aprendizagem”, e que o paradigma que defende vai demorar tempo a ganhar força e a disseminar-se. Mas, sabe que é possível. E prova disso, é o sucesso do modelo educacional que desenvolveu na “Escola da Ponte” na década de 70 e que já replicou no Brasil em projetos como a Escola Projeto Âncora e a Escola Aberta de São Paulo. E, mais recentemente, novamente em Portugal, com a “Open Learning School”.
 

“A Escola da Ponte foi a primeira escola no mundo, a passar do ‘centro do professor’ para o ‘centro do aluno’ na Educação Básica. Mas, para mim foi uma maldição. A história da Escola da Ponte é uma história feita de resiliência e de sofrimento. Não chegou lá a fada madrinha, não. Nós tivemos uma permanente oposição do Ministério, foram muito raros os ministros que apoiaram. Tivemos ataques terríveis de outras escolas e de outros professores. E isso desgastou a tal ponto a Escola da Ponte, que, hoje, ela está numa situação bem difícil. Mas, continua a ser uma excelente escola. Se não há mais, é porque, efetivamente, a Escola da Ponte é conhecida, apreciada e imitada no estrangeiro. A pergunta é, porque é que não há mais escolas da Ponte em Portugal?… e eu deixo essa pergunta a todos como tarefa de casa!”.
 

Desde o início do ano, a percorrer Portugal, de Norte a Sul, o professor José Pacheco, diz que está “em conspiração”, por “uma nova construção social de aprendizagem que escape aos burocratas” e que seja capaz de difundir “a aprendizagem em comunidade”.

E deixou uma mensagem em Torres Novas: “As escolas não são prédios. As escolas são pessoas. Então, o foco tem de ser a relação entre as pessoas, que são seres humanos, com emoções. Não são máquinas. Essa relação é importantíssima para que o aluno aprenda a aprender e a construir conhecimento. E para que seja feliz nesse processo de aprendizagem, mediado por um professor.”
 

Fonte; Mediotejo.net, Maio, 2023 (adaptado de)

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